segunda-feira, 20 de agosto de 2007

O que se esconde por trás dos ditados populares







Tempos atrás fiz um trabalho pra minha pós que rendeu muito que falar!
Em um dos módulos eu precisava escrever algo que tivesse certa “investigação”, ou seja, uma mensagem escondida, fosse em textos, em comerciais de TV etc. Depois de muito pensar em busca de uma idéia autêntica escrevi um texto sobre um assunto que poucas pessoas se tocam, o racismo escondido que temos em nosso país.
Moramos num país racista ou o Brasil é o paraíso inter-racial? Quando você chama um amigo de “negão” será que ele gosta ou se ofende? Vocês já pararam pra pensar em quantas expressões, ditados populares e músicas existem que diminuem o negro? Eu nunca tinha pensado nisso, até que tive um estalo e fiz esse texto.
Tenho certeza que todos vocês ouvem essas expressões desde pequenos e já as usaram sem pudor nenhum. Algumas delas tiveram origem no Brasil colônia. Quando eu era criança ouvia muito, minha família de origem alemã, italiana e polonesa, sempre usava alguma dessa pérolas! Principalmente minha avó que dizia que os amigos negros dos meus pais eram “pretos de alma branca”, ou seja, sugere que o negro pra ser aceito, pra ter qualidades deve portar-se como o branco. O negro “preto de alma branca” é tolerado, é uma exceção pois nega sua própria alma e aceita a superioridade do branco. Assim como o seu oposto “branco de alma negra” é usado para pessoas brancas que se portam mal, ou seja, se portam como “negros”, ditos inferiores e desonestos.
Porém quando esses mesmos amigos faziam algo errado, tinham feito um “serviço de preto” ou sua variante: “só podia ser preto”. Esse ditado nasceu da crença de que os negros eram incapazes de realizar bem uma tarefa, de fazer um bom trabalho de tal maneira que fosse “digna de um branco”. Outra expressão sobre a “incapacidade” do negro é: “preto quando não suja na entrada suja na saída”. Imaginava-se que o escravo acabaria fazendo algo errado, devido a sua “incompetência”, por ser “inferior” ou “preguiçoso”. E também por serem considerados sujos, até mesmo devido às condições em que viviam. Então o seu erro era esperado antes ou depois de terminar sua tarefa. E quem nunca fez um trabalho “nas coxas”? Esse também é um ditado de origem colonial e é usado para designar um trabalho imperfeito ou sem cuidado. Imperfeitas como as telhas de formas arredondadas das casas do Brasil colonial que, para fabricá-las, os escravos tinham que modelá-las em suas coxas, para dar um formato de canal. Como ficavam irregulares e pouco uniformes, o telhado ficava torto e mal feito.
Existem algumas que são mais recentes e nasceram depois da abolição. Após conseguirem suas alforrias, os negros continuavam a trabalhar para os brancos, mas nem todos conseguiam trabalho e algumas vezes viam, nos pequenos furtos, uma maneira de sobrevivência. É dessa época o ditado “Um negro parado é suspeito, um negro correndo é ladrão”.
A maioria dos brancos estranha quando vê um negro freqüentando o mesmo shopping, a mesma escola particular dos filhos, o mesmo clube, e até mesmo que eles usem o elevador social. "Preto não pode entrar na gaiola”, ou seja, para os brancos racistas, os negros não podem pertencer ao grupo seleto de brancos ricos, capazes e trabalhadores, pois são social e intelectualmente inferiores, incapazes.
E não podemos esquecer daquela que na minha opinião é a campeã, uma das mais usadas, pelo menos a que eu mais ouço: “eles que são brancos que se entendam”. A versão mais aceita do surgimento desse ditado é do século XVIII, quando um capitão de regimento, mulato, teve uma discussão com um de seus comandados, também mulato, e fez queixa a seu superior, um oficial português branco. O capitão reivindicava uma punição ao soldado que o desrespeitara. Seu superior português respondeu com a seguinte frase “vocês que são pardos que se entendam”. O oficial recorreu ao vice-rei do Brasil na época, dom Luís de Vasconcelos, que mandou prender o oficial português. Sendo essa uma das primeiras punições contra o racismo no Brasil. Ao longo do tempo a expressão se transformou no que é usada hoje “eles que são brancos que se entendam”, quando alguém não quer tomar partido em alguma situação.
Pode ser herança colonial, ingenuidade, mas essa é uma forma velada de racismo. É claro que todos nós já usamos algumas e isso não faz de nós pessoas racistas. Esses ditados populares estão tão enraizados em nossa cultura que é impossível não ouví-las e às vezes usá-las. Eu sou loira, de olhos verdes, nunca fui discriminada na vida, o máximo que já falaram pra mim foi “polaca azeda”, mas vocês conseguem imaginar como ouvir umas dessas expressões pode magoar?


Para ler mais sobre o assunto:


SARTRE, Jean Paul. Reflexões sobre o Racismo.
PAIVA, Vera Lúcia Menezes de Oliveira. Metáforas Negras
DEGLER, Carl. Nem preto nem branco
SCHWARTZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças
FREYRE, Gilberto . Casa Grande e Senzala
MOTT, Maria Lúcia Barros. Submissão e resistência, a mulher na luta contra a escravidão

11 comentários:

Fábio Mayer disse...

O racismo é arraigado no Brasil, o fato é esse. Com quase 200 anos de independência, apenas um negro ocupou (ou ocupa) uma cadeira no STF, o que é apenas um exemplo, e, não se engane (nem seus leitores) o que já ouvi de juristas fazendo piada com ele, não tá no gibi.

Nos meus 5 anos de faculdade, apenas 1 negro foi meu colega de curso, aliás, um dos melhores alunos da universidade em todos os tempos.

Ainda hoje me assusto quando vou ao jogo e vejo gente chingar os jogadores negros de modo muito mais cruel que os demais...

Como você já havia dito antes, o idioma influencia nisso no momento em que põe o racismo no inconsciente coletivo. Não é coisa de politicamente correto ou não... é para entender que vivemos numa sociedade multiracial que finalmente está encontrando o conceito de igualdade e, para tanto, é preciso adequar os costumes, especialmente o idiomático.

Pata Irada disse...

Oi Bia

Já vi muita gente "legal" falando assim e depois dizer:
"pô, é brincadeira"
Acho que não se deve permitir nem mesmo de brincadeira.
Belo texto!
Já estás lá no pata.
Obrigada pela visita e pelo link.
bj.

Ricardo Rayol disse...

Eu me policio pra caramba. Acho usar termos como negão etc de uma indelicadeza medonha

Walter Carrilho disse...

A mania de dizer que o país não é racista é a melhor forma de propagar o racismo. Pois é, para você ver como o povo aqui é criativo...É mole? abs.

Anônimo disse...

Texto tema delicioso intrigante. Mas o que há de mais saboros está mesmo é na proposta recheada por dedicação tão cativante.
Cadinho RoCo

Denise disse...

Odeio racismo, odeio mesmo!
Adorei seu texto, gostei mesmo!
Beijuuuu!

Anônimo disse...

Acho que há, sim, racismo. Mas ele é diferente do que ocorreu em outros países, já que aqui não houve segregação oficial. Mas não é só o negro que é segregado, não. O pobre, também

Fábio Mayer disse...

O Lino tá certo, aqui, discriminação também se dá por classe social...

Drica Carteado disse...

Poxa..Cda vez que leio um texto seu fico encantada, emocianada e como hj especialmente revoltada....Especialmente porque vc conseguiu ddescrever de uma maneira impar uma coisa muito cotidiana e muito incomoda, principalmente pra mim, mulher, baiana(leia-se nordestina) e negra!
Como pode num país como o Brasil acontecer esse tipo de coisa, o mais incrivel é que na minha terrinha, que é eminentemente negra, acontece estrondosamente em cada esquina, em cada bairro, em todos os lugares...
Racismo no Brasil existe e é muito intenso...Por mais camuflado que posso estar, se vc tiver o minimo de bom senso e um pouco de olho clinico verá que esta em todo canto.
Sinto me muito triste com isso, por ser negra, mas principalmente por ser um ser-humano, ou seja, igual a esses racistas, Odeio isso!!!!!!
Enfim...Parabens mais uma vez pelo Blog....Vc é sensacional, nas palavras e nas ideias...E agora vejo que no carater tambem!
Beijinhos

Romilton disse...

Este texto é muito interessante,e com certeza, a autora deve ser uma historiadora, ou no mínimo formada em História, ou excelente "analista do discurso".
Falar de preconceito através de ditos ou provérbios populares é um trabalho de grande importância poruqe toda escritura representa a cultura de um povo, e , certamente, esta "cultura do preconceito" expresso através de muitas expressões, provérbios e ditos populares, desde a época colonial até os nossos dias, fazem parte do consciente coletivo. Só a partir de longos anos de um profícuo investimento em educação, poderemos libertarmos desta cultura preconceituosa que está ideologicamente embrenhada em nossas raízes.
Recentemente fiz um artigo em que eu comento de forma reflexiva a presença dos diversos provérbios e ditos populares em nossa sociedade. Alguns estão menos frequentes, outros ainda mais presentes. A partir de uma seleção de alguns provérbios e ditos populares,investigo-os à luz das categorias teóricas CULTURA, REPRESENTAÇÃO e IDENTIDADE. Breve estarei publicando-os, juntamente com outros artigos, na editora CNJB.

Romilton disse...
Este comentário foi removido pelo autor.