segunda-feira, 1 de outubro de 2007

Passeios pelas ruas da memória


A região do Largo da Ordem é o coração do setor histórico de Curitiba desde 1971. É o local onde muitos moradores da cidade se encontram e revivem suas lembranças. São casas, prédios, igrejas, que juntos formam uma coleção responsável por manter a memória da cidade no imaginário coletivo. Essas memórias são acessadas com a seleção e a incorporação das lembranças mais importantes para cada um.
O Largo da Ordem, assim como outros centros históricos de diferentes cidades, é um centro de preservação da memória. Uma biblioteca da história de Curitiba e um centro de divulgação de conhecimento. Não por acaso é lá que está Fundação Cultural de Curitiba, parte do acervo do Museu Paranaense, galerias e escolas de arte e antiquários. Como parte desse acervo histórico está disponível a visitação gratuita, é um símbolo de conhecimento democrático e acessível a todos.
Pra mim esse pedaço da cidade sempre teve um valor especial, muitas experiências estão associadas a ele. Os lugares freqüentados na adolescência, a feirinha onde levei amigos vindos de fora, os bares de hoje. Enfim, é um elemento significativo do meu acervo pessoal.
No passeio com os colegas revi a casa que abrigou a primeira festa que fui, aos quinze anos, o bar onde mais tarde fui com meu primeiro namorado, e outro que costumava freqüentar com colegas de faculdade. Todos hoje fechados. São lugares da memória, cheios de signos.
A comunicação e o conhecimento estão em cada tijolo, tinta, pedras e na arquitetura antiga das casas, que nos remetem ao passado. Pois mesmo sem termos vivido na época do auge daquela região nossos conhecimentos anteriores, a enciclopédia segundo Eco, nos permite associações diversas. Outras pessoas presentes ao passeio tinham memórias parecidas, o que mostra que possuímos um acervo coletivo com relação a um ponto antigo da cidade, que faz parte da história de todos. No entanto, alguns dos presentes não eram de Curitiba, o que deu ao velho Largo uma outra cara. Passear pelas ruas do centro da cidade tendo ao lado uma pessoa que a via pela primeira vez, ou que morava na cidade há pouco tempo, foi algo muito interessante.

Cada um tinha seu próprio universo de expectativas, e eram diferentes dentre os que tinham ou não familiaridade com a paisagem.
Explicar a cidade vista através dos meus olhos, baseado em meus acervos pessoais, à outra pessoa, me fez ver coisas que eu nunca tinha percebido como o uso repetido de cores como o amarelo e o vermelho, detalhes de algumas construções, o marco zero da cidade e o busto do Barão do Rio Branco na Praça Generoso Marques.
A esse visitante não-curitibano, o acervo, a impressão que tinham da cidade, era a daquela Curitiba cidade de primeiro mundo, limpa, sem lixo nas ruas. Mas ao verem no centro da cidade mendigos, crianças de ruas e lixo, ficaram espantados. O lado da cidade que não aparece nas publicidades institucionais não fazia parte de seu imaginário, era algo novo. Contrariando seus universos de expectativa.
Nesse passeio, através das conversas e das observações entre colegas, pudemos reviver o passado, através da seleção que cada um fez de suas próprias memórias. Tivemos a oportunidade de compará-las no exercício final, já em sala de aula quando conversamos sobre as impressões que tivemos do passeio para podermos montar uma maquete. Foi possível observar os pontos comuns à observação de todos, aqueles que fazem parte da memória e da seleção coletivas e os particulares, visto sobre a ótica de cada um.
Mesmo sem perceber fazemos uso de nossos acervos a todo o momento. Cada passeio, leitura, filme que vemos, traz de volta a memória dos anteriores. Quando visitamos uma cidade ou revemos nossas próprias, usamos tudo o que sabemos sobre aquele espaço. Nossa memória é nossa biblioteca, a qual recorremos sempre que queremos resgatar, consultar nosso acervo particular. E também o estamos sempre atualizando, com novas idéias, impressões, como livros novos colocados nas estantes.

10 comentários:

Anônimo disse...

O Largo da Ordem me remete à Curitiba da minha infância, que era justamente o contrário: o Largo em si era decadente e o resto da cidade um verdadeiro brinco, a ponto de ser possivel tomar sorvete junto ao chafariz da Praça 19 de dezembro as 10 da noite sem medo de nada ou ainda, quando havia flores na Rua XV e as pessoas não pulavam em cima para destruí-las como fazem hoje.

Acho que a preservação da arquitetura do local salvou um pouco da Curitiba do passado com os casarões das famílias tradicionais, razão pela qual gosto muito do local, embora não frequente nenhum dos seus bares ou boates... simplesmente é um lugar onde gosto de ir durante o dia, para ter a nostalgia de lembrar de uma cidade que não existe mais, caótica que ficou pelo progresso desordenado.

Anônimo disse...

Fábia:
Infelizmente, não conheço Curitiba. Mas no dia em que conhecer, na certa irei ao centro histórico. Gosto muito de história, de ver o casario e o que ele representa para a história brasileira.

Cadinho RoCo disse...

Ainda hoje passava eu por ruas e lugares que passo ao longo de toda minha vida, pensando nas mudanças, nos acréscimos de detalhes, no que foi e nunca mais virá. Aí chego aqui e deparo com publicação tão doce e posta sob o efeito da recordação. Que bom respirar encontros assim.
http://cadinhoroco.loginstyle.com

Marco disse...

Olá, Fábia.
Obrigado pela visita e pelas palavras amáveis ao meu gurda-louças de velhas emoções. Seu post é primoroso. Praticamente uma definição dos objetivos do meu blog: celebrar a memória como espaço prazeroso, resgatar reminiscências comuns.
Gostei muito do seu estilo.
Carpe Diem. Aproveite o dia e a vida.

Renata Livramento disse...

Essa experiência é fantástica mesmo! Cada vez que a gente olha a gente vê coisas que nunca tinha visto antes...e tudo colorido com as tintas das emoções que marcaram..

bjos e ótimo fds

Anônimo disse...

Passando pelo Antigas Ternuras, do Marco, me chamou a atenção, pelo título, o seu blogue. Corri pra cá e constato que o conteúdo é também muito bom. Me chamou ainda e (especialmente) a atenção a existência desse recanto em sua cidade, destinado à reunião de pessoas para o retorno às lembranças boas dos seus passados. Um abraço.

Cadinho RoCo disse...

Voltei em busca de novidade.
http://cadinhoroco.loginstyle.com

A Cronista disse...

Ah, Fábia! Fez-me retornar à adolescência...
Seu post é primoroso e a foto, claro, perfeita!
Mais do que amar Curitiba, temos que vivê-la... talvez, assim, as pessoas "de fora" consigam entendê-la, no seu jeitão "fechado" e "provinciano".
Parabéns! Linkarei seu blog no meu!
Forte abraço!

Ricardo disse...

O que me cortava o coração era o prédio da antiga prefeitura, lá na Generoso Marques, tão abandonado. Uma pena.

A Cronista disse...

Ah, Ricardo, não fica triste não... o SESC encampou uma obra e está reformando!
Aquele, prá mim, é um dos mais belos prédios de Curitiba. Visitei muitas vezes quando era o Museu e chorei quando fecharam...
Vamos ver no que se transformará, né?